REQUISITO
DO COMUM ACORDO PODE SER SUPERADO EM CASO DE AUSÊNCIA REITERADA OU ABANDONO
IMOTIVADO DAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS.
O PLENO
DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO aprovou, por maioria, tese jurídica de
observância obrigatória segundo a qual a recusa arbitrária da entidade sindical
patronal ou de qualquer integrante da categoria econômica em participar da
negociação coletiva supre o requisito do comum acordo para a instauração do
dissídio coletivo de natureza econômica.
Essa
situação é evidenciada pela ausência reiterada às reuniões convocadas ou pelo
abandono imotivado das tratativas, A decisão uniformiza a interpretação sobre o
tema e reforça a aplicação da boa-fé objetiva no processo negocial, em
consonância com as Convenções 98 e 154 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
REQUISITO
DO COMUM ACORDO ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO
O
dissídio coletivo é o processo cabível quando sindicatos e empresas não
conseguem fechar um acordo. Nesses casos, a Justiça do Trabalho é acionada para
definir as regras necessárias para resolver o impasse e garantir segurança
jurídica para toda a categoria. Os dissídios coletivos de natureza econômica
dizem respeito a condições de trabalho atuais e futuras, como reajustes e
cláusulas normativas.
A Constituição
Federal (artigo 114, parágrafo 2º) estabelece o comum acordo como requisito
para o início desse tipo de ação. O objetivo é privilegiar a solução consensual
dos conflitos, colocando a intervenção da Justiça como último recurso. A
exigência foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em recurso
extraordinário com repercussão geral (Tema 841).
Contudo,
em alguns casos, esse pressuposto tem sido utilizado sem a boa-fé objetiva da
parte — ou seja, uma das partes se recusa a negociar e, se a outra entra na
Justiça, alega a falta de comum acordo para extinguir o processo. A questão
jurídica discutida no IRR foi definir se a recusa arbitrária do sindicato
empresarial ou membro da categoria econômica para participar do processo de
negociação coletiva trabalhista viola a boa-fé objetiva.
CORRENTE
VENCEDORA:
BOA-FÉ
OBJETIVA E GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA:
O RELATOR,
MINISTRO MAURICIO GODINHO DELGADO, afirmou que o requisito constitucional
do comum acordo não pode ser manipulado como barreira ao exercício da
jurisdição quando a parte que o invoca adota comportamento contraditório no
processo negocial. A boa fé objetiva, explicou, impõe deveres de lealdade,
cooperação e transparência, impedindo a recusa estratégica para bloquear o
dissídio.
A MINISTRA
KÁTIA ARRUDA, revisora, acompanhou o relator e alertou que condicionar a
instauração do dissídio ao comportamento de quem se recusa a negociar
empurraria categorias frágeis para a greve como única alternativa de pressão,
aprofundando desequilíbrios.
O MINISTRO
AUGUSTO CÉSAR concordou que a negativa deliberada de negociar viola a boa-fé
objetiva exigida pelo sistema jurídico e pelas normas internacionais sobre
negociação coletiva.
O MINISTRO
AGRA BELMONTE observou que, segundo o artigo 129 do Código Civil,
considera-se verificada a condição cujo cumprimento é maliciosamente impedido
pela parte contrária. Assim, a ausência injustificada às reuniões negociais
frustra a etapa constitucional prévia e legitima a atuação da Justiça.
O MINISTRO
ALBERTO BALAZEIRO afirmou que a boa-fé impede o uso do comum acordo como
obstáculo ao acesso à Justiça. Para ele, a recusa deliberada caracteriza abuso
de direito, e a proteção do processo negocial torna-se ainda mais necessária
diante do fim da ultratividade das normas coletivas (em que elas perdem
eficácia a partir do fim da vigência, sem possibilidade de extensão até um novo
acordo),
O
MINISTRO JOSÉ ROBERTO PIMENTA destacou que a greve não pode
ser a única saída diante da ausência de negociação, pois o papel da Justiça é
pacificar conflitos, e não incentivar mobilizações que podem fragilizar ainda
mais categorias já vulneráveis.
A
MINISTRA MARIA HELENA MALLMANN afirmou que a ausência
injustificada do empregador ou do sindicato patronal à mesa de negociação
equivale à recusa abusiva. Para ela, o comum acordo se vincula à instauração do
dissídio, e não ao dever de negociar, de modo que o abandono imotivado das tratativas
revela conduta incompatível com a boa-fé.
O
MINISTRO EVANDRO VALADÃO também acompanhou a maioria e propôs a
redação final da tese, que foi acolhida pelo relator e pela maioria. Ele
destacou que a negociação é fato jurídico submetido à boa-fé objetiva, razão
pela qual, diante da recusa arbitrária, pode-se reconhecer o comum acordo
tácito.
O PRESIDENTE
DO TRIBUNAL, MINISTRO VIEIRA DE MELLO FILHO, encerrou o julgamento
acompanhando a corrente vencedora. Ele afirmou que o fim da ultratividade deixa
categorias sem proteção e que exigir comum acordo diante da recusa imotivada
estimula a greve como único caminho. Para o ministro, o direito deve responder
à realidade prática e assegurar condições mínimas de equilíbrio e boa-fé no
processo negocial.
Corrente
divergente: literalidade constitucional e ausência de dever jurídico de
negociar
A
divergência foi aberta pelo MINISTRO IVES GANDRA MARTINS FILHO, que
afirmou que o artigo 114, parágrafo 2º, exige comum acordo expresso e
que a recusa em negociar, mesmo injustificada, não supre esse requisito. Para
ele, flexibilizar a exigência ampliaria indevidamente o poder normativo da
Justiça do Trabalho.
O MINISTRO
DOUGLAS ALENCAR acompanhou a divergência ao afirmar que, após a Emenda
Constitucional 45, não há dever constitucional ou legal de negociar. Assim, a
recusa não configura ilícito e não pode justificar o suprimento do comum
acordo.
O MINISTRO
ALEXANDRE RAMOS sustentou que a negociação coletiva não é obrigatória e que
a recusa é ato legítimo previsto na Constituição, cuja única consequência
permanece sendo o dissídio ajuizado de comum acordo.
O MINISTRO
BRENO MEDEIROS também votou com a divergência, afirmando que as Convenções
98 e 154 da OIT impõem aos Estados o dever de promover a negociação
coletiva, mas não criam a obrigatoriedade de negociar. Por isso, a recusa não
poderia suprir o requisito do comum acordo.
A MINISTRA
MORGANA RICHA observou que violações à boa-fé podem gerar
responsabilização, mas não justificam submeter a parte à Justiça sem o comum
acordo.
A MINISTRA
MARIA CRISTINA PEDUZZI reforçou que os limites semânticos do artigo 114,
parágrafo 2º, da Constituição não permitem investigar a motivação da
recusa. Segundo ela, transformar a recusa arbitrária em fundamento para afastar
o comum acordo extrapola o texto constitucional.
TESE
APROVADA:
A
tese, firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas (Tema 1),
passa a orientar todos os processos pendentes sobre o tema.
Assim,
quando houver recusa arbitrária e imotivada da empresa ou sindicato patronal em
participar da negociação coletiva, demonstrada pela ausência reiterada às
reuniões convocadas ou pelo abandono injustificado das tratativas, o requisito
do comum acordo será considerado suprido, permitindo a instauração do dissídio
coletivo de natureza econômica na Justiça do Trabalho.
A TESE
FIXADA, AINDA PENDENTE DE PUBLICAÇÃO, ESTABELECE:
“A
recusa arbitrária da entidade sindical patronal ou de qualquer integrante da
categoria econômica em participar de processos de negociação coletiva,
evidenciada pela ausência reiterada às reuniões convocadas ou pelo abandono
imotivado das tratativas, viola a boa-fé objetiva e as Convenções 98 e 154 da
OIT, tendo a mesma consequência do comum acordo para a instauração do dissídio
coletivo de natureza econômica.”
Processo: IRDR-1000907-30.2023.5.00.0000
FONTE:
Matéria retirada direto do site
do TST: