O
CONTÁGIO do CORONAVÍRUS (COVID-19) no TRABALHO e a GARANTIA ACIDENTÁRIA ou decorrente de DOENÇA
do TRABALHO.
A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 927/2020, editada no dia 22.03.2020, modificada
pela MP 928/2020, de 23.03.2020,
traz dispositivo polêmico nos termos de seu artigo 29, no qual assim está afirmado:
MP 927/2020 - Artigo 29. Os casos de
contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados
ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
Assim, editada a MP 927/2020 em face do quadro
preocupante da pandemia da doença COVID-19,
sem esquecer costumeira proteção à atividade econômica em detrimento de
direitos e garantias dos trabalhadores, estabeleceu no artigo 29 a exclusão da contaminação pelo CORONAVÍRUS como doença
ocupacional, sem ressalvar nem mesmo
os profissionais da saúde, ativados
na linha de frente da pandemia no combate direto à doença em face aos pacientes
infectados pelo vírus.
Evidentemente, fazendo uso do sagrado direito de
petição à Justiça, poderá qualquer trabalhador demitido após contaminado pelo
CORONAVÍRUS no trabalho e acometido pela COVID-19, ingressar com Ação na
Justiça do Trabalho, no objetivo da responsabilização civil do seu empregador
pelo acometimento e pleitear a reparação de danos acumulada com o pedido da
reintegração no emprego ou indenização correspondente ao período de 12 meses da
estabilidade acidentária sonegada.
Entretanto,
a caracterização da doença adquirida pelo CORONAVÍRUS como sendo ocupacional, dependerá
da prova na Ação, da relação do nexo de causa e efeito (nexo causal) entre o contágio e o trabalho; ou seja, a prova de que
tenha o Autor da ação sido contaminado e adoecido no trabalho.
Na Ação
individual, caso o trabalhador não tenha
deferida pelo Juiz a inversão do ônus da prova em razão da natureza e da
complexidade da matéria tratada (na
condição de Autor da Ação) terá que
fazer prova das suas alegações no processo; assim o empregado deverá além da apresentação do Laudo Médico
atestando a doença (CID) adquirida, terá que demonstrar na instrução da Ação,
por exemplo, 1: que foi contaminado pelo vírus no trabalho,
compelido pelo empregador a trabalhar em desrespeito à quarentena decretada; 2: que trabalhou sem uso dos EPI’s sonegados pelo empregador (máscara, luvas, etc.) de indicação
médica para proteção da contaminação; 3:
que o empregador não forneceu álcool em gel indicado para a proteção devida; 4: que não foi respeitada pela empresa
a distância mínima exigida entre as pessoas no ambiente de trabalho conforme
recomendação médica para evitar o contágio pela proximidade no ambiente; 5: conforme o caso, o empregado deverá
provar a contaminação ocorrida no ambiente de trabalho e não em qualquer outro
lugar, etc. (dentre outras
repercussões da lide). Portanto, exigências de provas bastante difíceis para o
trabalhador individualmente satisfazer no tocante às alegações no processo
judicial objetivando responsabilizar o seu empregador pelo advento da doença (COVID-19) adquirida no trabalho.
Assim, nos
termos do artigo 29 da MP 927/2020 é
deixada uma espécie de “carta branca”
aberta nas mãos do empresariado, incentivando que as empresas funcionem,
contrariando assim, todas as orientações médicas sobre o tema, do próprio
Ministério da Saúde (MS) e da
Organização Mundial da Saúde (OMS),
relegando a pessoa humana do trabalhador, sem proteção jurídica sob o elevado
risco do contágio e da doença decorrente do contágio pelo CORONAVÍRUS e até da
morte.
E mais agravante,
ainda, o artigo 29 da MP 927/2020,
em conteúdo tem por objetivo dificultar a responsabilização do empregador, relegando
o trabalhador à desproteção jurídica na medida em que – afastado do trabalho por causa da COVID-19 – quando após a alta
médica - retornar à atividade, o trabalhador poderá, simplesmente, ser
dispensado pelo seu empregador sem nenhuma garantia, desempregado justamente no
contexto da circunstância adversa de uma crise econômica tendente ao
agravamento em decorrência da pandemia causada pelo NOVO CORONAVÍRUS.
Lembrando
que no caso do afastamento do trabalho e com a percepção do benefício
previdenciário na modalidade acidentária, quando da suspensão do benefício e
retorno ao trabalho, o trabalhador tem assegurada a estabilidade provisória no
emprego por 12 meses - artigo 118, da
Lei 8.213/1.991.
Entretanto,
se excluída da modalidade acidentária pela MP
nº 927/2020 - artigo 29, a incapacidade para o trabalho em face ao contágio
do CORONAVÍRUS (COVID-19), o
trabalhador adoecido extaria excluído da referida garantia legal; portanto,
substancial “proteção” governamental
em favor dos empresários e considerável desprezo governamental em relação aos
trabalhadores.
De
qualquer modo, patenteado mais uma vez, diante da MP 927/2020 em seu artigo 29, o ímpeto do governo, de proteger a
atividade econômica, desprezando a força do trabalho na pessoa do empregado e daqueles
seus familiares dependentes economicamente do emprego e dos salários.
ENTRETANTO,
entendemos que não é também tão simples assim entender a canetada patronal do
governo no texto do artigo 29 da MP
927/2020, como sendo forma de salvaguarda induvidosa para determinar a
imunidade do empregador, no sentido da exclusão da responsabilização pela
doença COVID-19 adquirida pelo empregado
no trabalho.
Desde
logo, necessário pontuar que, causa espécie, a total falta de sensibilidade governamental,
ao não excetuar expressamente os profissionais da saúde no dispositivo do artigo 29 da MP 927/2020.
Serão
milhares desses profissionais: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes,
atendentes, socorristas e outros ligados diretamente à área da saúde, colocados
diretamente em contato com pacientes e, portanto, potencialmente expostos ao contágio pelo CORONAVÍRUS; condição esta
que coloca esses profissionais da saúde, e de forma induvidosa em razão da
natureza da atividade, expostos na relação da efetividade entre a doença
adquirida e o trabalho desenvolvido; portanto, NEXO CAUSAL (de causa e efeito) que não precisará ser provado porque
presumido.
Portanto,
esses profissionais com os contratos regidos pela CLT, estarão abrangidos nas garantias da Lei Acidentária do Trabalho, na condição de portadores de doença do
trabalho, nos termos da Lei 8.213/1991, artigo 20 §§ e incisos e artigo 22
(da comunicação do acidente ou doença) e caso afastados do trabalho com a
percepção do benefício de auxílio doença acidentário (INSS), estarão contidos
no artigo 118 da mesma Lei, com a estabilidade de 12 meses a partir do retorno
à atividade.
DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA e SUBJETIVA do EMPREGADOR
A
responsabilidade objetiva tem como requisitos a conduta, o dano e o nexo
causal. Ou seja, nesses casos o causador do dano (o empregador) responderá em face da vítima (o trabalhador) mesmo que não seja comprovada a culpa, porque o
risco decorre da própria atividade desenvolvida.
A responsabilidade objetiva
ocorre quando o empregador é considerado culpado pelo acidente que vitimou o
trabalhador ou pela doença que o acometeu, independentemente de este ter culpa
ou não. Ou seja, o trabalhador vitimado não precisa comprovar culpa por parte
do empregador, a culpa do empregador é presumida em função do risco que decorre
da natureza própria da atividade (como por exemplo, empresas de transportes, de
vigilância, dentre outras).
Por outro lado, na responsabilidade subjetiva é necessário comprovar a conduta, o
dano, o nexo causal e culpa do agente. Nesta modalidade o causador do dano só
deverá indenizar a vítima se ficar caracterizada a culpa, embora haja
divergência doutrinária e da jurisprudência nesse conceito. Entretanto, ainda
se mostra prevalecente no ordenamento jurídico, a teoria da culpa (subjetiva) aplicada no contexto da a
responsabilidade civil nas relações de trabalho; ou seja, há a necessidade de comprovação de culpa (o empregador,
por negligência ou imprudência, tenha dado causa ao resultado danoso à vítima, devendo
repará-la (artigos: 186, 187, 927 e § único
– CC/2002).
A PANDEMIA (COVID-19) e
sua REPERCUSSÃO na RESPONSABILIDADE CIVIL:
Evidentemente, como estamos vendo nos dias
atuais, a pandemia provocada pelo CORONAVÍRUS
(COVID-19) repercute sobre as relações humanas em geral, interpessoais e
contratuais e, por decorrência, atraindo incidência e discussão sobre a
responsabilidade civil nos seus mais variados aspectos e situações apreciadas
com desdobramentos no mundo jurídico e com ênfase nas relações de trabalho
porque abrangente de modo amplo e horizontal para o funcionamento das sociedades
como um todo avaliado. Nesse contexto, reconhecida e avalizada pela ciência
médica mundial a forma da propagação do vírus e da expansão da doença,
temerária a responsabilização individual no plano da repercussão cível, da
pessoa infectada pela contaminação de outras pessoas.
Entretanto, diversos os aspectos que devem
ser apreciados nessa relação e dos desdobramentos jurídicos consequentes
considerando as medidas excepcionais que em função da pandemia, estão sendo
tomadas pelos governantes no objetivo de inibir a propagação do vírus e
proteger a população do contágio pelos CORONAVÍRUS; assim sendo de modo sucinto
neste trabalho, destacamos:
NO PLANO
INDIVIDUAL, face
às medidas governamentais diante do estado de calamidade pública, restrição da
mobilidade urbana, cessação e suspensão de atividades, isolamento social da
pessoa, quarentena, etc., a desobediência por parte do titular do negócio, mantendo
ativas atividades que estejam restringidas pode atrair ao responsável a sanção
penal prevista na lei penal brasileira Código Penal.
Artigo 268: Infringir determinação do poder público, destinada
a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.
NO
PLANO COLETIVO, entretanto,
a exposição ao risco de contágio pelo NOVO
CORONAVÍRUS (COVID-19) ou sua facilitação resultam na possibilidade de
caracterizar a causa de danos a um grupo de pessoas ou à uma determinada coletividade;
atraindo, neste caso, a incidência da
previsão do artigo 81 e parágrafo único,
do Código de Defesa do Consumidor (CDC: Lei 8078/90), disciplina sobre a defesa dos interesses e direitos
dos consumidores e das vítimas e que poderá ser exercida em juízo individualmente (por um único
cidadão) ou pelo modo coletivo, por meio de Ação Civil Pública promovida
por órgão do Ministério Público ou ainda
Ação Civil Coletiva promovida por Entidades Associativas às quais expressamente
a Lei faculta fazer e outorga competência para agirem nesse propósito em defesa
da coletividade vitimada e representada.
Ressalte-se,
desde logo, o artigo 81 e § único do CDC é amplamente reconhecido na Doutrina e
Jurisprudência de aplicação subsidiária no Processo do Trabalho face ao
artigo 769, da CLT.
Assim, nos
casos e situações em manifestação do
interesse coletivo, como pode ser o evento do surto da contaminação dos
trabalhadores pelo CORONAVÍRUS no ambiente de trabalho; nesses casos, poderão os
trabalhadores oferecer denúncia ao Ministério
Público do Trabalho (MPT), que poderá ingressar com AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra a Empresa, ou ainda poderão por
intermédio da representação pelo Sindicato Profissional, para ingressar com
Ação Civil Coletiva face à Empresa.
Inclusive nos casos das Ações de Natureza Coletiva e com suporte no CDC – artigo 6º, haverá a
critério do Juiz, a possibilidade da
inversão do ônus da Prova no processo, isto é, transferindo ao empregador
acionado na Justiça o ônus de fazer prova da isenção da sua responsabilidade
civil.
Por sua vez, para a análise objetivando determinar a inversão do ônus da prova em favor do autor nas Ações de natureza
Coletiva, o artigo 6º, inciso VIII,
do CDC traz à apreciação (a
critério do juiz) os elementos pelos quais o magistrado Juiz se valerá
para avaliar, em apreciação dos fatos da lide e para a facilitação da defesa de
direitos do autor, as condições em que for
verossímil a alegação ou quando for o autor hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências. A respeito, interessante jurisprudência, veremos:
PRELIMINAR
DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ARTIGO 6º,
INCISO VIII, DO CDC. APLICAÇÃO. FACULDADE. O juiz do trabalho tem a
faculdade de aplicar, ou não, a inversão do ônus da prova prevista no inciso
VIII do artigo 6º do CDC ao processo do trabalho, cuja incidência depende das
circunstâncias de cada caso a serem analisadas pelo julgador. Inexistindo,
assim, obrigatoriedade de aplicação subsidiária do dispositivo citado, logo, o
indeferimento fundamentado do pedido de tal inversão não configura cerceamento
de defesa ou de prova, visto que não obstado nenhum direito de prova da parte. Recurso obreiro conhecido e desprovido.
(TRT-10. ROPS: DF
00335-2008-011-10-00-2, Relator: Desembargador Braz Henriques de Oliveira,
Data de Julgamento: 30/07/2008, 3ª Turma, Publicação: 08/08/2008).
Sobre
a condição da hipossuficiência da qual
se refere o artigo 6º,
inciso VIII, do CDC, não deve ser analisada sob a perspectiva
do autor da ação coletiva, e sim dos titulares do direito material deduzido na lide
coletiva visto que aquele simplesmente atua como substituto processual destes.
No tocante às condições
da verossimilhança das alegações do Autor, o conceito é por demais conhecido
no campo das Tutelas Cautelares em geral, se
refere à aparência da verdade, não exigindo assim, certeza absoluta e/ou
induvidosa no tocante aos fundamentos da lide para o pedido.
Por outo lado, a hipossuficiência é examinada com
base na avaliação da capacidade técnica e/ou informativa do Autor da Ação, considerando
suas naturais deficiências de conhecimentos no campo da matéria sobre a qual que
se debatem no feito, colocado em condição de desigualdade em face ao Réu, este
sim, detentor de conhecimentos e técnicas que enseja a matéria sob debate na
lide.
Nesse quadro avaliado caberá ao Juiz à vista dos fatos
e elementos da lide trazidos pelas partes, e entendendo presentes um dos
requisitos acima, aplicará a inversão do ônus da prova na instrução do processo
e notificará as partes a decisão tomada, para os devidos fins do respeito ao
contraditório.
DAS AÇÕES
COLETIVAS na JUSTIÇA do TRABALHO (FUNDAMENTOS):
As
Ações Coletivas são aquelas nas quais se debatem interesses individuais
homogêneos (art. 81, III, da Lei nº
8.078/90 - CDC) apresentam-se “uniformizados
pela origem comum”, embora, na sua essência, remanescem individuais;
todavia, a forma de sua tutela processual pode e até deve ser de tipo coletivo (artigos 90 a 100 da Lei n 8.078/90).
Assim, interesses individuais homogêneos são interesses individuais que passam
a ser tutelados de forma coletiva por decorrerem de uma origem comum, de tal
modo que o titular é perfeitamente identificável e o objeto é divisível e
cindível. O que caracteriza um direito individual comum como homogêneo é sua
origem comum, fato que possibilita sua defesa coletiva em juízo.
Os
Sindicatos, detém legitimidade ativa para ajuizar ações coletivas pleiteando a
tutela de direitos individuais homogêneos; com efeito, na linha da jurisprudência pacificada do E. STF corroborada pelo E.
TST, o artigo 8º, III, da
Constituição Federal outorga legitimidade aos sindicatos para atuar na
defesa de direitos dos trabalhadores representados; ressaltando-se, a
legitimação decorrente de interesses que ostentam natureza de direito
individual homogêneo e, para tanto, emprestando os fundamentos do artigo 81, § único, inciso III, do CDC,
Lei n 8.078/90, perfeitamente
adequado no âmbito e contexto das relações de trabalho, que oferece conceito
legal do que se deve entender por direitos individuais homogêneos, qual seja, é
o fato constitutivo do direito postulado em juízo; como por exemplo, determinado ato ou conduta do empregador, capaz de
gerar consequências no âmbito jurídico de vários dos seus empregados,
caracterizando a origem comum dos direitos daí decorrentes e, consequentemente,
em face à sua natureza homogênea, hábil a justificar a defesa pelo Sindicato na
condição de substituto processual para promover a Ação Civil Coletiva, condição equiparada ao MINISTÉRIO PÚBLICO do TRABALHO (MPT), considerado
o fato constitutivo do direito postulado.
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