width=1100' name='viewport'/> Jurídico Laboral: SERVIDOR PÚBLICO PODE SER DEMITIDO POR DESÍDIA?
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sexta-feira, 12 de março de 2021

SERVIDOR PÚBLICO PODE SER DEMITIDO POR DESÍDIA?

 

SERVIDOR PÚBLICO PODE SER DEMITIDO POR DESÍDIA?

 Justa causa por desídia só é ilegal se demissão ocorreu por ato já punido |  J Ferreira Junior

* SERGIO MEROLA – ADVOGADO.

Houve um tempo em que não se falava sobre demissão de servidor público. Era algo tão abstrato, tão distante, que só existia em livros de direito de administrativo. Esse tempo passou.

E para ser sincero, o cenário mudou bastante.

Em busca de transformar o serviço público em algo eficiente e com o objetivo de combater irregularidades, a Administração Pública passou a se utilizar de ferramentas de controle e fiscalização de seus servidores.

Isso é muito bom para a sociedade. Não tem como negar.

Contudo, temos percebido que essas ferramentas de controle e de fiscalização têm sido utilizadas de maneira arbitrária, com desvio de finalidade.

O instrumento que mais tem sido utilizado de maneira irregular é o Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

O PAD é um procedimento através do qual a Administração Pública apura as infrações funcionais de seus servidores e, quando comprovada a ocorrência de algum ilícito, aplica as sanções cabíveis.

Esse conceito deixa claro que o processo administrativo disciplinar é uma ferramenta muito importante para a Administração Pública.

E não haveria nenhuma queixa sobre o PAD se os gestores públicos o utilizassem dentro da legalidade.

Só que, na prática, são vários os casos em que o processo disciplinar é instaurado com desvio de finalidade.

Isso, muitas vezes, ocasiona a demissão injusta – do servidor público.

Dentre todos os tipos de processo disciplinar, o PAD por desídia é o que mais tem sido usado de maneira arbitrária.

E é justamente sobre isso que vamos falar agora.

O QUE É DESÍDIA?

Antes de entrarmos no processo administrativo disciplinar por desídia, é necessário conceituarmos essa palavra, que ainda é desconhecida por muitos servidores.

A desídia é uma conduta reprovável pela sociedade, tanto nas relações de emprego privado (CLT), quanto no serviço público.

Ela pode ser conceituada como a conduta do servidor público consistente em deixar de cumprir, injustificadamente, as obrigações inerentes ao exercício da função pública, com a finalidade de eliminar ou diminuir a sua carga de trabalho, reduzindo a qualidade ou quantidade do produto de sua atividade, afetando negativamente a eficiência do serviço público.

A desídia acontece quando o servidor público tem uma conduta reiteradamente preguiçosa, cometendo várias falhas ao longo do tempo, chegando atrasado com frequência, se ausentando do serviço repetidas vezes sem qualquer justificativa, deixando as tarefas acumularem, atrapalhando o bom desempenho da atividade pública.

Com base no estatuto do servidor público federal, o comportamento desidioso é punível com demissão.

Veja o que diz a Lei nº 8.112/90:

Art. 117. Ao servidor é proibido:

XV: proceder de forma desidiosa;

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Analisando o conceito de desídia, não parece injusto que um servidor com esse tipo de comportamento seja punido com a pena de demissão.

Afinal, não é um ou outro ato falho do servidor que caracteriza a desídia.

É o comportamento reiterado ao longo do tempo, o que demonstra uma falta de compromisso daquele agente público.

Apesar de mencionado neste trabalho apenas o dispositivo da Lei nº 8.112/90 (Estatuto do Servidor Federal), é importante destacar que a maioria dos estatutos estaduais e municipais também trazem a previsão de demissão em caso de desídia.

Portanto, o que eu disser aqui também se aplica a servidores estaduais e municipais, ok?  Pois bem.

Existem duas situações específicas em que a Administração Pública está instaurando processos disciplinares por desídia sem que o servidor tenha culpa alguma.

E isso tem causado muita dor de cabeça dentro das repartições públicas, já que o servidor acusado pode ser demitido injustamente ao final do processo.

Se você é servidor público e está respondendo a um PAD por desídia, preste bastante atenção nas situações que vou descrever abaixo.

Elas podem salvar o seu emprego!

Sobrecarga de trabalho por falta de servidores

No início desse texto eu falei que, antigamente, a demissão do servidor público era algo abstrato e que só existia em livros de direito administrativo.

O mesmo pode ser falado a respeito da sobrecarga de trabalho.

Essa é uma realidade que, até algum tempo atrás, ninguém acreditaria se ouvisse algum servidor reclamando que estava trabalhando muito.

Pois é. Como eu disse, o cenário mudou bastante nos últimos anos.

Com a eterna situação de crise fiscal, vários órgãos públicos estão trabalhando com poucos servidores.

Isso porque, além do aumento na quantidade de serviços, as repartições públicas não estão fazendo a reposição daqueles servidores que se aposentaram ou deixaram o serviço público.

O problema dessa situação é que o serviço fica acumulado em cima daqueles agentes públicos que restaram.

E como o número de pessoas não é o suficiente para tanto trabalho, os servidores cometem inúmeras falhas, além de perderem prazos.

Só que quando essa informação (das falhas e das perdas de prazos) chega lá em cima, na chefia e nos órgãos de controle, parece que eles se esquecem que os órgãos públicos estão trabalhando com um número reduzido de pessoal.

Imediatamente, eles ordenam que sejam instaurados os procedimentos investigatórios para punir os responsáveis.

É aí que começa o PAD por desídia. Essa situação é muito perigosa para o servidor público.

De fato, em situações como essa, o servidor não tem como negar que as falhas ocorreram e os prazos foram realmente perdidos.

Isso é um prato cheio para a comissão apresentar um relatório opinando de modo favorável pela demissão do servidor.

Mas veja só que situação injusta.

O acúmulo de serviço não é culpa do servidor.

São anos – em alguns casos, décadas – sem novos concursos públicos para reposição de pessoal.

E o serviço só aumenta. Nunca diminui.

Demitir um servidor público por desídia, nessas situações, é uma ilegalidade e imoralidade.

Só que a chefia e os órgãos de controle não estão muito preocupados com isso.

Eles só querem ter alguém para apontar o dedo e falar que era por causa de Fulano que o órgão estava uma bagunça.

É uma forma de prestar contas junto a sociedade e afastar a própria responsabilidade.

Por isso que todo o cuidado em um PAD por desídia é pouco.

COMO SE DEFENDER?

Como você pode perceber, o processo administrativo disciplinar por desídia é um verdadeiro inferno na vida do servidor.

Não faltam elementos comprobatórios para a comissão dar um relatório favorável pela demissão.

Mas, existe uma maneira eficiente de se defender e sair dessa sem nenhum tipo de punição.

Vou te explicar abaixo o que fazer.

O primeiro ponto é não deixar a situação ficar crítica sem que ninguém saiba a realidade dentro da repartição pública.

Isso significa que você deve manter sua chefia ou coordenação informados sobre a necessidade de contratação de pessoal.

Ainda que isso seja em vão – afinal, eles sempre vão alegar que não tem dinheiro – fazer esses registros é importante na hora de se defender de um PAD.

Como fazer isso?

Envie e-mails apresentando números, de forma objetiva, que comprovem a necessidade de se contratar mais pessoas.

Esse tipo de informação vai servir como prova de que você alertava a chefia do órgão sobre a impossibilidade de se cumprir todos os prazos, devido à sobrecarga de trabalho.

Outra forma interessante de “mostrar ao mundo” que existe uma sobrecarga desumana de trabalho naquela repartição é enviando pedidos de ajuda ao sindicato.

Da mesma forma, apresente números e dados objetivos que comprovem a necessidade de contratação de mais agentes públicos.

Tire relatórios com números de processos em andamento; números de entradas de novos processos por dia ou por mês; quantidade de processos que cada servidor consegue despachar por dia, etc.

A ideia aqui é que qualquer pessoa que veja esses números consiga perceber que há uma sobrecarga de trabalho impossível de ser cumprida com o número de servidores que trabalham no órgão.

Deixe muito clara a situação caótica pela qual está passando para que isso não seja utilizado contra você durante o PAD por desídia.

Se você tiver esses dados na hora de apresentar sua defesa, isso vai ajudar bastante a evitar uma demissão.

Afinal, você terá armas que comprovam que a culpa não é sua.

Mas, sim, da ineficiência da Administração Pública.

E mesmo que seja aplicada a pena de demissão ao final do processo administrativo disciplinar, se a defesa estiver bem feito e com dados objetivos, será possível anular a punição na justiça.

PERSEGUIÇÃO E ASSÉDIO MORAL

Se a situação da sobrecarga de trabalho já era complicada, quando o PAD por desídia é fruto de perseguição e assédio moral, a coisa piora bastante.

Veja só como acontece na prática.

Existe uma desavença entre uma chefia e um subordinado.

Normalmente é esse é o cenário dos casos que chegam aqui no escritório.

E essa chefia, de saco cheio do subordinado, quer dar uma lição nele.

A partir daí a chefia movimenta toda a repartição pública para conseguir punir o tal subordinado (perseguido).

Lembram do acúmulo de serviço que falei no tópico acima?

Isso é uma realidade na maioria dos órgãos públicos do país.

Daí, olha o que acontece.

A chefia orienta as outras pessoas da repartição a passar um “pente-fino” em tudo que o subordinado perseguido está fazendo.

E ao menor sinal de falha, eles são orientados a mandar um e-mail informando à chefia, coordenação e até para a ouvidoria.

Em pouco tempo, o servidor que está sendo perseguido terá uma penca de e-mails e reclamações contra ele registradas dentro do órgão público.

E o que acontece depois você já deve imaginar.

É aberto um processo administrativo disciplinar por desídia contra esse servidor.

Nesse tipo de PAD existe um outro agravante.

Dependendo do poder que a chefia tem dentro do órgão, e principalmente em órgãos pequenos, ela conseguirá intervir diretamente na escolha dos servidores que vão dirigir o PAD.

E o pior de tudo é que ela vai orquestrar tudo pelos bastidores.

Quando nos deparamos com processos desse tipo, fruto de perseguição, quase sempre precisamos intervir judicialmente.

Porque mesmo que façamos a melhor defesa do mundo, a comissão já está orientada a punir o servidor perseguido.

Mas, da mesma forma como existe defesa no primeiro tipo de PAD por desídia que explicamos acima, aqui também dá para fazer algumas coisas para se proteger.

A estratégia é a famosa “o ataque é a melhor defesa”.

Vou explicar melhor.

Quando você perceber que está ocorrendo um movimento dentro do órgão público para te punir (e-mails, notificações, reclamações), abra o olho e faça o mesmo com os demais colegas (e até com a chefia, se for o caso).

Vou dar um exemplo para que isso fique bem claro.

Fomos contratados para defender um servidor público da área de cálculos de uma repartição.

Ele estava sendo perseguido simplesmente por ser uma pessoa introspectiva, “na dele”.

Apesar de ser muito bom, com um dos melhores desempenhos dentro do órgão, foi aberto um PAD contra ele.

O motivo? Ele havia errado 21 cálculos.

Veja só como o contexto é distorcido quando a chefia quer prejudicar um servidor.

Nesse caso, a chefia havia encaminhado um ofício aos órgãos superiores mencionando apenas esses 21 cálculos.

Mas havia uma situação importante que não foi relatada no ofício.

No período em que ocorreram esses erros, aconteceu um evento extraordinário em que mais de 300 processos foram devolvidos, em regime de urgência, para que os cálculos fossem refeitos.

Ou seja, são 21 cálculos dentro de um contexto de estresse (acúmulo de serviço e urgência no prazo de entrega) que foi omitido na hora de ser enviado o ofício.

 

E qual foi a nossa estratégia para defender o servidor?

Puxamos o histórico dele e dos outros servidores que exercem as mesmas atribuições dentro daquela repartição.

Com o relatório completo, tivemos acesso a uma informação valiosíssima: o servidor que estava sendo acusado por erra 21 cálculos era o mais produtivo de todo o órgão.

Ele tinha, em média, 80% mais produtividade que o servidor que aparecia na 2ª colocação.

E pegando o período de 12 meses, o servidor havia feito mais de 2500 cálculos.

Então, 21 erros é mais do que aceitável.

Afinal, é menos de 1% do todo.

Mas, como eu disse, tudo isso foi omitido, propositalmente, pela chefia.

Pegamos esses relatórios e anexamos junto à defesa do PAD, numa estratégia de apontar o dedo para todos os servidores da repartição pública, dando o recado de que se o nosso cliente fosse punido, todos também deveriam ser.

Por fim, outra estratégia importante diante dessas situações é registrar os casos e assédios que estão ocorrendo dentro do órgão público.

Isso pode ser feito através de e-mails para outras chefias/coordenação, e até por gravação.

Dois detalhes importantes que você precisa saber sobre isso:

Sempre que enviar esses e-mails, coloque o seu endereço eletrônico pessoal em cópia oculta para ficar com uma cópia salva.

Não são raros os casos em que o órgão público afasta o servidor que está respondendo a um PAD e corta o acesso dele aos e-mails.

E sobre a gravação, ela pode – e deve – ser feita sem que os outros envolvidos na conversa tenham conhecimento da gravação.

ISSO NÃO É ILEGAL.

A justiça tem aceitado esse tipo de prova quando a pessoa que fez a gravação participou da conversa.

Já até escrevi sobre um caso em que um guarda municipal se safou de um PAD por causa da gravação que fez entre ele e a chefia imediata.

Se quiser ler esse texto, clique aqui.

E não tenha receio de utilizar esses tipos de provas.

Apesar de gerarem um desgaste nas relações dentro do órgão público, elas podem salvar o seu emprego na hora do PAD.

*SERGIO MEROLA - Advogado - Especializado em Administração Pública, com foco em demandas de Servidores, Concursos Públicos, Improbidade Administrativa e Licitações.

 

FONTE: JUSBRASIL – 11.03.2021.

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